“IRMÃO” PORTUGUÊS? ESQUEÇAM!

Luís Rebelo de Sousa, da AICEP, diz que as empresas portuguesas em Angola estão “expectantes”, mas “optimistas” quanto ao futuro e atentas às medidas adoptadas pelo Governo angolano, numa conjuntura adversa para o kwanza, que tem sofrido uma acentuada depreciação. Talvez recordando tempos idos, os angolanos esperavam mais dos portugueses. Mas bem podem esperar sentados (no chão). Para Portugal o importante é o primado do lucro e não do social. “Irmãos”, mas lucros à parte!

Falando à Lusa, o administrador da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), Luís Rebelo de Sousa, que participou no Dia de Portugal da Feira Internacional de Luanda (Filda), salientou a satisfação das empresas portuguesas que vieram apresentar os seus produtos e serviços na Filda, que neste ano bateu um recorde com cerca de 1300 participações.

“E Portugal faz boa figura já que, entre as 23 empresas que vieram com a Associação Empresarial Portuguesa [AEP] e as 30 portuguesas ou de capital misto, que estão cá (…) acaba por ter a maior representação a nível de país”, observou.

Questionado sobre a actual conjuntura de escassez de divisas e desvalorização da moeda angolana, afirmou que as empresas que têm a sua operação em Angola estão ainda a aguardar para ver o impacto do choque e perceber de que forma as medidas que o Governo angolano anunciou vão ter impacto na economia angolana.

“Mas estão expectantes e optimistas em relação ao futuro na medida em que estão focadas em fazer crescer o seu negócio no mercado angolano”, que se apresenta como “uma oportunidade de crescimento inexorável” e de “abertura ao investimento estrangeiro”, disse.

Quanto ao contexto cambial, admite que tem colocado diferentes desafios às empresas portuguesas, destacando como denominador comum a alteração de preços no tocante a vendas e aquisições.

“Vão adiando operações, gerindo stocks, adaptando preços, enquanto aguardam pela estabilização do mercado”, indicou, salientando que as autoridades portuguesas acompanham de forma próxima as empresas portuguesas estabelecidas no país africano, “procurando perceber as suas preocupações e actuar na tentativa de resolução de alguns dos desafios”.

O administrador da AICEP salientou ainda que Angola teve no período pós-pandémico um ciclo positivo, de que beneficiaram as trocas comerciais com Portugal.

Em 2022, as exportações de bens e serviços de Portugal para Angola, ultrapassaram os dois mil milhões de euros, 57,4% acima do ano anterior, enquanto as importações com origem em Angola, aumentaram 367,5%.

Nos quatro primeiros meses deste ano, as exportações portuguesas de bens de serviços atingiram 774 milhões de euros (mais 85 milhões do que no período homólogo) em igual período do ano anterior, ou seja, um aumento de 12,3%.

Angola ocupa actualmente a nona posição na tabela dos principais clientes de Portugal e é o 42.º fornecedor do país.

Estima-se que mais de 1.200 empresas de capital português ou misto possuam actividade em Angola, actuando em áreas como a construção civil e infra-estruturas, o agro-alimentar e agro-industrial, a banca, os seguros, a metalomecânica, as tecnologias de informação e comunicação (TIC), a energia, a saúde, e o transporte e logística.

Para Luís Rebelo de Sousa, as áreas mais atractivas para o investimento português em Angola “são aquelas em que o país possui valências reconhecidas internacionalmente e que poderão contribuir para o desenvolvimento económico de Angola”, entre as quais o agro-industrial, a indústria, a saúde, as TIC, as energias renováveis, o turismo, as infra-estruturas e a formação.

Quanto às novas medidas adoptadas pelo Governo angolano para mitigar o défice orçamental, notou que é necessário aguardar que surtam efeito: “Devem ser encaradas como um incentivo para identificar oportunidades de negócio em sectores que serão importantes na estratégia de diversificação económica de Angola”.

Os angolanos bem gostavam de ouvir o “irmão” português falar de um país em que a todas as horas, a todos os minutos há angolanos que morrem de barriga vazia, em que 70% da população passa fome, em que 45% das crianças sofrem de má nutrição crónica, e em que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos.

Os angolanos bem gostavam de ouvir o “irmão” português falar de um país em que 68% da população é afectada pela pobreza, em que a taxa de mortalidade infantil é das mais alta do mundo, em que apenas 38% da população tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico, em que apenas um quarto da população angolana tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade.

Os angolanos bem gostavam de ouvir o “irmão” português falar de um país com 20 milhões de pobres e em que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal e de carência de medicamentos, em que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos, em que o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder.

Gostavam, mas nada. O “irmão” português é surdo, mudo e cego para estas questões. Dir-se-á, e até é verdade, que esse silêncio é condição “sine qua non” para investir no nosso país, até porque todos sabemos que nenhum negócio se faz sem a devida autorização de sua majestade o rei de Angola, seja ele quem for.

O “irmão” português consegue assim não o respeito mas a anuência do regime para as suas negociatas. Esquece-se, contudo, de algo que mais cedo ou mais tarde lhes vai sair caro: o regime não é eterno e os angolanos têm memória.

Folha 8 com Lusa

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